quarta-feira, 23 de setembro de 2009

1-2007

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segunda-feira, 9 de julho de 2007

Destaque > Perfil

O Despertar de Dama Dorme

Em meio a uma confusão, um personagem se resolve
e, através da imaginação, se desenvolve


Maria Eduarda Borelli
Mariana Faria

“Acredita, bonita!”. Essa é uma das várias frases e gírias irônicas que o designer e artista contemporâneo Virgílio de Andrade lançou e consagrou na cena underground de Belo Horizonte. A expressão foi criada como uma brincadeira em resposta à atitude falsa e bajuladora das personalidades da noite urbana. Vivendo em um mundo de exibição e superficialidade, estas pessoas realmente acreditam em si mesmas e nos elogios afetados que trocam entre si. É aí que entra a piada inteligente de Virgílio. Mas o que um jovem estudante de 23 anos, nascido em Patos de Minas, tem de peculiar?

Virgílio é simples, e ao mesmo tempo complexo. Uma figura que leva tempo para se compreender, e que se esforça para compartilhar com o mundo os seus pensamentos, críticas e ironias. Até aí tudo bem, já que os jovens têm mesmo essa tendência a ser rebeldes e revolucionários. A diferença está no modo como isso é feito.

Esse mesmo homem do qual falamos, vindo de uma família tradicional e conhecida no interior, é tímido desde criança e sempre gostou de inventar personagens. Com a sua “criatividade à flor da pele”, inventou já adulto a personagem performática Dama Dorme e se tornou ícone em um universo noturno que ele mesmo critica, mas não hesita em dizer que adora. Virgílio é assim, uma figura paradoxal, de múltiplas facetas. Ao mesmo tempo em que se destaca simplesmente como sendo Virgílio, com seu visual peculiar, ele também é capaz de encarnar características da personagem Dama Dorme, em uma relação de mão dupla que nem ele sabe explicar.

Virgílio Antônio Rodrigues de Andrade

Na cidade onde nasceu, na região do Alto Paranaíba, Virgílio não é conhecido como Dama Dorme e sim como filho do falecido “Antônio do judô”, já que seu pai, Antônio da Silva Andrade, foi o primeiro mestre da luta, em Patos de Minas. Apesar de hoje parecer improvável e talvez até impossível, Virgílio já foi campeão mineiro de judô, quando era criança e passava o dia na rua, brincando de subir em árvores, uma característica “bem interior”. leia mais...

Dama Dorme

A personagem performática de Vírgílio é conhecida como Dama Dorme, e vive em um mundo alternativo regado a drogas e música eletrônica. É considerada por ele como “escrachada”, “podrona” e um “clown”, “palhaço total”, que atrai a curiosidade das pessoas.
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Dama Virgílio

Virgílio e Dama Dorme realmente parecem ser uma pessoa só. Mas qual a separação entre eles? Ele é um homem barbudo que se diz tímido desde a infância. Ela é uma mulher que, de tão impactante, chega a ser assustadora. “Sou muito Virgílio, e adoro a Dama Dorme. O Virgílio é meigo, a Dama Dorme é trasheira”. Dama Dorme é o alterego e a principal válvula de escape de Virgílio. Dama Dorme é “muito maior e mais famosa que Virgílio”. leia mais...


sexta-feira, 25 de maio de 2007

Destaque> Crítica do Filme "A vida é um sopro"

Curvas, concretos e perfis desgastados

por: Fábio Corrêa



Confesso que sempre tratei as obras de Niemeyer com uma certa reserva. Nunca entendi muito bem a funcionalidade de prédios construídos em espiral elíptica, das fachadas de concreto – que no fim, sempre ficavam manchadas pela chuva – ou dos capacetes de ponta-cabeça que mais me pareciam cumbucas de pilar alho gigantes. As pessoas falam idiotices, o tempo inteiro, às vezes apagam suas reputações ilustres em troca de um comentário mal-pensado, como diria o próprio arquiteto. Eu, que nunca fui ilustre, não titubeei em atravessar o sinuoso edifício de Tancredo Neves, rumando ao cinema em ângulos retos, pensando, que, talvez ali, pudesse responder a uma questão (evidentemente idiota) que nunca me era esclarecida: como os móveis poderiam ser dispostos naquele espaço sem declararem guerra aos mindinhos errantes de seus moradores? Um verdadeiro exercício de Feng-Shui quântico para as massas descalças.

Ou para algum diretor de cinema brilhante o bastante para ter a incrível idéia de responder a essas e outras perguntas. E, é claro, como um documentarista padrão de grande personalidades brasileiras – espécime não muito rara nesses tempos de valorização (especulativa) do cinema tupiniquim – Fabiano Maciel não foge à regra. Oscar Niemeyer – A vida é um sopro (2007) se limita a transformar Oscar Niemeyer num personagem folclórico, com seus comentários irônicos e sua visão pessimista – e divertidíssima – da vida, e sua trajetória de inegável sucesso nos quatro cantos do mundo: que ele mesmo se propôs a transformar em curvas. Mas por quê? como? e onde estavam os vendedores de réguas?, essas são respostas que não podem ser respondidas. Assim como em Cartola não ficamos sabendo o porque de seu nome ou do formato esquisito de seu nariz, em A vida é um sopro parece mais importante a presença mítica de um senhor de 99 anos, sentado de óculos escuros no museu de arte contemporânea de Niterói do que a conceituação de sua própria obra revolucionária. Ou seja: a vida é um sopro, mas esse ilustre senhor merece algo além da simples constatação de que ele soprou tempo demais.

Fabiano Maciel não se mostra um documentarista desprovido de conhecimentos da linguagem cinematográfica: pelo contrário, parece ter aprendido bastante com a cartilha de Vertov. Planos muito bem escolhidos – belas imagens de um Rio de Janeiro no crepúsculo parecem nos querer dizer que o Pão de Açucar também é obra do arquiteto -, interessantes imagens de arquivo, depoimentos de gente grande como Chico Buarque e Eric Hobsbawm (outro que também parece ter muito pulmão para soprar por tanto tempo)... Mas todos convergindo, em curvas niemeyerianas, é bom dizer, para a mesma exaltação vazia de um gênio que os leigos não compreendem. Tudo bem, a linha reta agride o espaço, o concreto possibilita sustentações arquitetônicas fluidas e suaves, mas, apenas para o bem da forma? Deve haver um ponto, algo mais, um motivo para toda a ideologia moderna do arquiteto. Os depoimentos do próprio Niemeyer, nesse sentido, não contribuem. Apenas impropérios – engraçadíssimos, diga-se de passagem – sobre perguntas simples como “qual a funcionalidade desse projeto”. Eu, em meus conhecimentos absolutamente leigos de arquitetura, não deixei de relembrar os móveis do Edifício Niemeyer, as fachadas de concreto sujo e agredido pela chuva no Edifício JK, a imagem degradada do Cojunto Iapi. Em minha ignorância urbanística e arquitetônica, continuo pensando em Niemeyer como o maior projetista de pistas de skate da humanidade. E olha que essa é uma visão que não pode ser refutada pelo documentário: a Place du Colonel Fabien, em Paris, um dos maiores trunfos do arquiteto, é mostrada como pista para manobras arrojadas numa certa sequência do filme. Radical.

Mesmo longe de pecar na forma, o diretor Fabiano Maciel peca no conteúdo. De fazer um documentário-perfil de quem já é mais que perfilado pelas construções da mídia, e de quem não é barbada, fico mais com o último – como o maravilhoso Do Outro Lado da Sua Casa (1985), dos documentaristas do Olhar Eletrônico. A ilusão de que o personagem já faz o jogo ganho é uma maldição tantas vezes repetida que já deveriam nascer cineastas vacinados contra tal pestilência. Um homem tão grande como Niemeyer merecia maiores acepções acerca de suas intenções, seu contexto histórico, seu impacto no desenvolvimento da arquitetura e, é claro, por que não, suas grandes cagadas. Nenhum quadro sobre o fracasso do projeto inicial do Edifício JK, nenhuma consideração real sobre os Iapi's, nada sobre as críticas tanto desferidas sobre o Copan. “Foi Deus que desenhou as montanhas do Rio quando pensou ser Niemeyer”. Mas com quais preceitos urbanísticos a não ser abrigar favelas? Tudo, no fim, soa como bajulação, uma reverência vazia e sem fim.

É uma pena que personagens cruciais para nossa história sejam descartados tão facilmente por exercícios de mera formalidade cinematográfica. Depois de Cartola e Niemeyer, só nos resta imaginar quem será o próximo. “Arte é invenção”, o sopro de um Niemeyer nos termos finais de sua experiência curva ainda ressoa forte nos ouvidos de quem o assiste. Menos nos de Fabiano Maciel, que parece tapá-los e ignorar toda a potencialidade que emante de Oscar Niemeyer, pronta para ser transposta para o cinema. E eu ainda continuarei a me perguntar o porquê de tantas curvas e de tanto concreto. Mas sem não deixar de pensar, ao contemplar, do alto de minha ignorância, o sinuoso Edifício Niemeyer, que aqueles parapeitos dariam uma bela pista de skate.

Destaque> Crítica do Filme "Cartola"

Cadê Agenor

por: Thobias Almeida


Abrem-se as cortinas do filme na cena em que o violão de Cartola se cala para sempre. Em seu funeral, a voz de Jards Macalé ecoa passagens de Memórias Póstumas de Brás Cubas, livro de Machado de Assis. Por quê? Porque Angenor de Oliveira, o Cartola, nasceu no ano em que Machado finalizou o livro da vida. Os realizadores do filme, Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, tentam assim realizar um diálogo entre o mestre do samba e o mestre de nossa língua pátria. E como em Memórias, do funeral partimos para o início, para o toque ainda incerto de um malandro que levou a música muito a sério.

A cinebiografia Cartola-Música para os olhos (Brasil, 2006) não adota um modelo popular, se assim pode-se dizer. É entrecortada por cenas reais e fictícias, numa miscelânia às vezes agradável, outras tantas confusas. Há depoimentos de amigos e antigos parceiros, como Carlos Cachaça, cenas jogadas à revelia de um propósito mais sólido, apenas para contextualizar o Brasil da época. Não há necessidade de contextos para os gênios, eles serão gênios tanto numa Roma coberta pela chama de Nero quanto num morro poeirento carioca. Cartola não foi influenciado pelo meio, pelo contrário, fez a natureza dobrar-se ao seu talento. Um gênio sem escola, mas com uma sabedoria ímpar.

Fica a sensação de vazio quando procuramos pelos vestígios de um homem comum em Cartola. A biografia nos mostra um personagem, respeitado, admirado, sofrido, mas não os momentos de um homem simples, com seus defeitos, esquisitices, com a mediocridade inerente ao dia a dia de qualquer ser humano, mesmo o do gênio. Onde está o Cartola ordinário, no bom sentido da palavra? Terá ele sido sempre Cartola, nunca Angenor? Essa é a dificuldade de se retratar ícones, mitos que fincaram irremovíveis raízes na cultura popular.

Com uma proposta de narrativa diferente, não-linear, mas imperfeita devido ao acréscimo de imagens que pouco acrescentam ao filme, Cartola-Música para os olhos nos abre a janela da sala do sambista. Muitos gostaríamos de navegar por debaixo de sua cama ou por dentro de seu armário.

Destaque> Reportagens

Rua dos Dançarinos Felizes

Existe um quarteirão da Rua dos Goitacazes onde predomina a diversidade. É um trecho pequeno que não está na Zona Sul, nem consta dos itinerários dos abastados, mas que guarda em suas tabuletas, construções e personagens uma certa poesia, um sonho, talvez, de que a igualdade, exatamente ali, fez a sua morada. Aos sábados, quando caem as tardes, esse pedaço de rua torna-se palco do “Quarteirão do Soul”. Um encontro de dançarinos da black music que, pelo menos momentaneamente, ofusca as diferenças de credo, hierarquia social e raça.

Poucas vezes, quem sabe, a visão da diversidade esteve tão plena, misturada harmoniosamente. Confira, agora, uma amostra de singular alegria fraterna:

Vídeo com cenas do “Quarteirão do Soul”

O “Quarteirão do Soul” é embalado pelas músicas de James Brown. Dançarinos de sapato bicolor e, às vezes, com ternos alinhados, misturam-se aos transeuntes e espectadores, exibindo performances inspiradas na década de 1970. Uma imagem que parece saída do túnel do tempo. Há dançarinos com cabelo black-power, deslizando sobre o asfalto, como se a superfície fosse feita de gelo. Junto deles, dançam personagens vindos de qualquer lugar: grupos de jovens, figuras saudosas daquela década passada, o andarilho e sua cachorrinha de pelagem negra, o catador de material reciclável que venera James Brown...

Aos sábados, no quarteirão da Rua dos Goitacazes, todas as tribos se misturam. E até o tímido rapaz de 20 anos, que gosta de reggae, interrompe seu caminho para ver a “dança dos extrovertidos”. O nome dele é Vinícius de Jesus e, embora não tenha coragem, diz que gostaria de estar no meio daquele povo, dançando. Os seus olhos acompanham as danças e se estendem além, captando os sorrisos e a diversidade das gerações. A música ecoa, faz arregalar os olhinhos do bebê que, no colo da mãe, não entende o que antes nunca vira. Vinícius gosta da cena e das cores irmanadas: “Acho que todo o mundo deveria ser assim”, comenta.

O quarteirão compõe-se de botecos, livrarias, hotel, escolas e casa de massagem. E tem a alma que lhe dão os personagens de dentro e de fora dessas construções. Ele é efervescente, mas também discreto, com seus livreiros concentrados em histórias de ficção.

A casa de massagem tem sempre a porta aberta, depois da qual uma escada espiralada apresenta-se como único caminho. Lá em cima, da janela, a dona da casa e suas meninas observam o encontro dos dançarinos da black music. Ela é uma discreta senhora de 60 anos que se apresenta com o nome de “Tia” e não costuma andar pelo quarteirão. Ainda assim, conhece quase todos os personagens e sabe há quanto tempo eles estão ali. A sua janela tem vista privilegiada. Abre-se logo depois do fim da escada, ampla, iluminada, voltada para as histórias que se constroem naquele trecho da rua.

“Tia” veio de Esmeraldas, no interior de Minas, há 50 anos. Diz que sente saudades do tempo da infância, na fazenda em que morava, embora lá não tivesse luz, nem televisão. Quando fala do passado, é como se falasse de uma outra vida que não a dela. A menina esmeraldense brilha intermitentemente na neblina dos anos e aparece, de vez em quando, no olhar distante.

Debaixo da janela, James Brown ainda ecoa. Está nos LPs que tocam nas pick ups de quem comanda o som no “Quarteirão do Soul”. E as pessoas continuam dançando e sorrindo, quem sabe apagando da memória as suas dores. Algumas se esforçam para aprender os passos, mas há aquelas que dançam a seu modo, apenas vivendo o momento. Entre os mais animados, pode-se ver um andarilho anônimo. Do seu corpo pendem cornetas que ele toca esporadicamente. Mas a sua fiel seguidora, a cachorrinha vira-lata, parece hesitante no meio dos dançarinos, sem entender o motivo da alegria contagiante do seu dono.

Edna de Souza, a gari de 47 anos que transita entre o público do “Quarteirão”, varrendo constantemente, diz que aquela música foi do seu tempo. Os anos que se passaram entre a década de 1970, quando freqüentava os bailes da soul music na periferia, e a primeira década de 2000, roubaram-lhe a descontração. Ela afirma que já não gosta daquela música. No entanto, contraditoriamente, apressa-se em chegar junto à roda: “Para mim é bom. Talvez a gente está pensativa e até se esquece dos problemas”, afirma, dividida entre uma Edna do ontem e do agora.

Lá em cima, da sua janela, a “Tia” observa o encontro da diversidade. Suas últimas palavras também ecoam pelo quarteirão:
- Às vezes, na sua casa, você tem um monte de janelas e nenhuma lhe agrada. Mas esta tem um astral muito bom! Olhando daqui de cima, acho que todo mundo nesse quarteirão é feliz...
Ana Carolina Lima; Gabriel Senna; Leandro Maia; Maria Cristina Rielle; Maria Silva e Silvério; Tatiana Perry